BUNKAI
KATA.
By
Getulio Taigen
Tudo
o que você sempre quis saber o Bunkai Kata, mas seu professor nunca te disse.
Antes
de começar com meus famosos textões que poucos leem, preciso esclarecer que o que
escrevo tem como direção os alunos da Taigen Karate.
Qualquer
coisa publicada com minha assinatura representa apenas minha concepção sobre o
karate que pratico e ensino e, não o de alguma federação, organização ou
instituição de Karate.
Estando
isso entendido, vamos ao que interessa.
____________________________________________________
Durante
uma aula, ouvi abismado de uma aluna iniciante, ela dizer que não gosta muito
de treinar kata.
A
pergunta que fiz logo depois foi: Porque?
A
resposta foi: É chato ficar ensaiando passinhos de coreografia no fim de todas
as aulas. Disse ainda, que era melhor utilizar o tempo perdido com o kata para
treinar golpes que pudessem ser utilizados
em situações de combate real, sem ter que se preocupar com a “beleza” da coisa.
Confesso que fiquei preocupado!!!
Onde foi que eu errei?
Em verdade, quando um aluno não entende alguma coisa, ou
não consegue aprender algo, a culpa não é dele e sim do professor que não
possui didática suficiente para fazer com que o conhecimento penetre naquele
que possui dificuldade de aprendizado.
Quando um aluno acredita que á prática dos kata’s não está
relacionado à luta, mas sim á uma performance artística. Uma espécie de dança. Uma dança esquisita…
O professor deve imediatamente parar e tentar repensar
sua metodologia.
Vamos imaginar a cena:
Todos os alunos exaustos, depois de dar o máximo de si
durante uma hora de treino. Aí o professor chega e fala:
Ok! Agora para
relaxar vamos treinar uma nova coreografia – it’s kata time!!!.
kata, por mais bonito que seja sua execução, não é uma
atividade lúdica. Muito pelo contrário:
O kata é um sistema desenvolvido para ensinar defesa
pessoal. Um sistema testado durante muito tempo e por muitos mestres.
Em meu magistério, costumo inicialmente fazer com que os
alunos memorizem de forma indelével todos os passos de cada kata, somente
depois é que eu começo a ensinar sua aplicação.
Creio realmente que sem transformar os movimentos numa
segunda natureza dificilmente sua aplicação se transformará numa reação
imediata.
Assim, somente na faixa vermelha o aluno começará a
praticar os bunkai’s do heian shodan, um laranja do heian nidan e por aí vai.
Agora, conviva com a pressa atual das pessoas...
Todo mundo quer tudo para ontem, ninguém quer treinar
por 15 anos, 5 vezes por semana para poder chegar a uma faixa preta sem
envergonhar o Karate nem seu professor.
Mas afinal porque inventaram os kata’s?
Vamos pensar juntos:
O que se faz quando é necessário passar diversos
ensinamentos a um número relativamente grande de pessoas?
Se formos observar as escolas, veremos que a solução
encontrada foi á categorização e encadeamento lógico do conteúdo das matérias,
de modo que fosse possível para os alunos internalizarem o conteúdo.
Com o kata é a mesma coisa. Cada kata é na realidade um
conjunto de técnicas ‘amarradas’ de forma ‘quase’ lógica para que sejam compreendidas
pelos praticantes.
E, ao contrário do que muitos pensam, kata não é
exclusivo do Karate. Ele existe no Judo, no Ju-Jutsu, no Taekwondo, e até no
Muay Thai.
Ao treinar Kata é importante saber e perceber a
necessidade de se preocupar com sua função e não com a sua forma. Deve ter em
mente que se o dedo mindinho do pé esquerdo estiver 0,5 milimetros para fora,
isso não vai fazer muita diferença na hora do ‘vamos ver’.
As perguntas que se devem fazer ao aprender um kata são:
1- O que este movimento significa?
2- Qual é a finalidade desta técnica?
3- Como ela é utilizada contra um adversário?
4- Essa técnica serve apenas para defender um ataque oriundo
do Karate, ou serve para outros ataques?
5- Qual a sua aplicação prática?
6-
Existem outras
aplicações?
Esqueça a beleza plástica da sua execução.
Pense no Kata como um conjunto de defesas, ataques,
desequilíbrios, quedas, chaves em articulações etc. cuja utilização tem que
funcionar em situações reais de combate! É obvio que uma técnica apurada,
demonstrada de forma irrepreensível é bonita de se ver.
É justamente aí que mora o perigo!!!
A beleza pode acabar matando a marcialidade.
A diferença está na abordagem.
A maioria dos professores
nunca aprendeu kata de uma forma coerente, estruturada e com esse entendimento.
Querem saber porquê?
Simples, nossos professores japoneses não sabiam
ou não queriam que aprendêssemos karate e ficássemos melhores que eles.
As consequências foram devastadoras:
A
maioria não gosta de kata devido à sua natureza puramente abstrata.
Por
não ter aprendido corretamente, quase todos os professores passaram a alterar vários
movimentos, na tentativa de fazer com que eles façam mais sentido. Alguns
chegaram ate mesmo a criar novos kata’s, como se já não fossem bastante os vinte
e seis do Shotokan.
Aliás,
agora é moda, os mestres para se perpetuarem historicamente, inventam alguns
kata’s ou trazem do fundo do empoeirado baú, antigos kata’s que ninguém mais se
lembra, kata’s que foram modificados ou reunidos em um outro.
Com
a diminuição do tempo de aula e o predomínio das competições, os poucos
professores que dominavam as aplicações pararam de ensinar. Seja porque bunkai
não marca pontos em campeonatos ou porque demanda muito tempo de aula para
aprender.
Assim,
a maioria dos alunos que ‘amam’ kata são aqueles que não querem se machucar,
que tem medo do kumite, que acreditam (corretamente) que estão fazendo uma
excelente atividade física, que preferem acreditar que estão praticando uma
dança de guerra etc.
Acham
que eu estou exagerando?
Vá
assistir a uma aula de karate num dojo qualquer ou compareça em um campeonato. Você
verá faixas vermelhas praticando Niju Shiho ou laranjas demonstrando Sochin.
Se
você tiver olhos para ver e eles não estiverem embaçados pelos véus da
hipocrisia perceberá claramente que os kata’s praticados se resumem a uma mera ginástica
calistenica. Um monte de movimentos encadeados como uma coreografia de dança,
objetivando o alto rendimento artístico com a intenção de impressionar os
juízes e público em geral, não possuindo nenhuma aplicação real e prática.
Praticamente um balé marcial.
Ok! Vamos aos fatos
históricos.
O Karate foi
originalmente concebido para ser usado como auto defesa contra um ou mais adversários, preferencialmente destreinados,
provavelmente destros, desarmados e agressivos.
Ora! Em sendo o Kata um
modelo mnemônico (aprender um veículo para a retenção e transmissão de
informações) transmitida pelos mestres, com a finalidade principal de defesa
pessoal, o kata deve, por pura
lógica, basear-se em princípios que regem a uma auto defesa bem sucedida com técnicas eficazes de simples execução,
fáceis de praticar e memorizar.
A
ideia original da prática dos kata’s era a de sobreviver ileso á uma agressão. Apesar de ser de
conhecimento público que a natureza inerentemente imprevisível de um ataque não possa
garantir quaisquer resultados positivos, todo esforço no sentido de minimizar o
resultado e aumentar as chances de sobrevivência deve ser perseguido.
Muito
bem, agora que já entendemos a finalidade de sua concepção, vamos analisar,
destrinchar, esmiuçar sua performance e seus desdobramentos.
A
palavra Bunkai é formada por dois ideogramas:
Bun
– parte, segmento
Kai
– entender, compreender
Assim,
literalmente falando o termo bunkai (antigamente se escrevia bunkwai) significa
“entender, decompor e analisar as partes”.
Após
memorizar perfeitamente um kata, deve o praticante entender que um kata possui várias
compreensões, formas de estuda-lo e suas aplicações.
Bunseki. É o ato de analisar o
kata como um todo coerente. Perceber suas sequências em separado, treinar suas
variantes aplicações, compreender a finalidade de sua existência.
Oyo, trata-se de
subdividir as várias sequências pertencentes ao kata e aplica-las sob uma ótica
mais aprofundada, buscando sempre o real e não o imaginário. Lembre-se que na
vida não tem juiz para dar nota, nem plateia para agradar.
Tendo o Bunseki como
método de observação, deve-se entender porque as bases são diferentes, que não
tem lógica efetuar duas defesas e depois virar de costas, que após uma ou mais
defesas, obrigatoriamente tem que existir um contra-golpe (seja ele qual for).
No treino Bunseki deve-se
tentar entender a premissa de que se a base utilizada fosse outra, outro seria
o resultado. De igual maneira podemos nos referir aos ataques, não esquecendo
de que existem kata’s que visam o equilíbrio, outros a fundamentação básica,
outros a mudança rápida de posição e por aí vai.
Assim, escolhendo o kata
que vá servir de estudo, tente perceber para qual finalidade ele foi concebido.
Resumindo – Estudar o
kata sob vários ângulos e premissas chama-se Bunseki.
Já no Oyo, deve-se saber
a diferença entre Ura e Omote.
Ura e Omote - Este é
um conceito tipicamente japonês - a dualidade. Omote significa "Aquilo que
se vê", aquilo que está visível, o que se percebe a primeira vista, sem
uma atenção mais apurada.
Ura é algo que não
se percebe, que está escondido, uma parte da casa que não recebe luz e se
encontra escondida das pessoas.
Usando a casa como
referência, a fachada é "omote", enquanto o interior é
"ura". Da mesma forma o corpo de uma pessoa tem um lado
"omote" (frente) e um lado "ura" (costas).
Uma coisa é o que
uma pessoa diz (Omote) Outra é o que ele realmente está pensando (Ura).
Omote também pode
ser entendido como ‘o
que você vê é o que você obtém’, ou seja, se isso se parece com um pato, nada como um pato e grasna como um
pato - é provavelmente um pato. Assim, Cada técnica é tomada pelo valor daquilo que de cara se vê.
É
semelhante ao princípio científico da Navalha de Occam (*).
Quando se é atacado,
pode-se efetuar uma defesa forte e depois contra-atacar, ou pode-se "bater
junto” (deai), isto é Omote, ou seja, é uma maneira de lutar de frente.
Enquanto que uma outra forma seria "sair" em tai sabaki (esquiva) e
atacar o oponente pelo lado ou pelas costas, isso é considerado Ura.
Os japoneses quando
começaram a ensinar no ocidente, preocupados com o futuro de sua arte marcial,
ensinavam apenas Omote - aquilo que é percebido, demonstrando
desavergonhadamente técnicas sem nenhuma aplicação prática.
Vai no youtoube e
veja as demonstrações antigas dos bunkai.
Não precisa ir muito
longe, analise friamente o primeiro kata - Heian Sho Dan e, diga do fundo do
coração, se as defesas e ataques que nos foram ensinados possuem o menor
sentido ou lógica...
Agora, quem já teve
a oportunidade de assistir os japoneses treinando sem a presença de ocidentais,
saberá exatamente do que estou falando.
(*) [A Navalha de
Occam é um princípio lógico atribuído ao frade franciscano inglês Guilherme de Ockham - sec XIV. O
princípio afirma que a explicação para qualquer fenómeno deve assumir apenas as
premissas estritamente necessárias à explicação do mesmo e eliminar todas as
que não causariam qualquer diferença aparente nas predições da hipótese ou
teoria. O princípio é frequentemente designado pela expressão ‘Lei da
Parcimónia’ enunciada como: ‘as entidades não devem ser multiplicadas além da
necessidade’. O princípio recomenda, assim, que se escolha a teoria
explicativa que implique o menor número de premissas assumidas e o menor número
de entidades. A Navalha de Occam é um princípio metodológico, e não uma lei que
diz o que é verdade e o que não é. Ou seja, ela não sugere que as explicações
mais simples são sempre as verdadeiras e que as mais complexas devem ser
refutadas em qualquer situação.]
Olhe o mesmo kata em
outros estilos – existe mais alguma coisa em comum, além do nome?
Por
exemplo. Vejamos uma curiosidade. O mesmo kata no Shito Ryu, no Goju-ryu, no Uechi-ryu, no Isshin-ryu etc, chama-se Seisan.
No Shotokan passou a se chamar Hangetsu porque Funakoshi
‘ajaponesou’ os nomes. Na china tem o nome de Shí sān shǒu .
Esse kata é uma compilação de treze técnicas, a forma seria oriunda do estilo da garça Branca (kung fu).
No Shotokan considera-se
que este kata diverge em sua formatação (com sua execução
moderada e controle da respiração) dos outros do estilo. A explicação é que
Funakoshi treinou com o mestre Seisho Aragaki, um mestre dos estilos Naha Te e Goju Ryu onde esse kata é bem praticado.
O Hangetsu
compila oito movimentos defensivos e cinco ofensivos, as sequências possuem
bastante contraste, com o objetivo da adaptabilidade do lutador na transições
entre os movimentos rápidos e lentos.
Agora, o que você pode
aprender com a referência cruzada das várias maneiras de apresentar o mesmo
kata?
Pense
fora da caixa.
Uma outra concepção chama-se Honto bunkai. Em japonês, honto significa literalmente ‘real’ ou ‘realidade’, entretanto
ao observarmos alguém efetuando um kata percebe-se que em cada 200 praticantes
um espelha essa ‘realidade’ o restante quer apenas ‘fazer bonito’.
Nas palavras de Donn F.
Draeger (autor de dezenas de livros sobre artes marciais) "Treinar Kata apenas como
demonstração, é fazer dele um uso superficial e limitado"
Espero
que tenha conseguido sanar as dúvidas existentes.
Oss!