terça-feira, 20 de setembro de 2016

Bunkai kata



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BUNKAI KATA.

By Getulio Taigen

Tudo o que você sempre quis saber o Bunkai Kata, mas seu professor nunca te disse.
Antes de começar com meus famosos textões que poucos leem, preciso esclarecer que o que escrevo tem como direção os alunos da Taigen Karate.
Qualquer coisa publicada com minha assinatura representa apenas minha concepção sobre o karate que pratico e ensino e, não o de alguma federação, organização ou instituição de Karate.
Estando isso entendido, vamos ao que interessa.
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Durante uma aula, ouvi abismado de uma aluna iniciante, ela dizer que não gosta muito de treinar kata.
A pergunta que fiz logo depois foi: Porque?
A resposta foi: É chato ficar ensaiando passinhos de coreografia no fim de todas as aulas. Disse ainda, que era melhor utilizar o tempo perdido com o kata para treinar golpes que pudessem ser utilizados em situações de combate real, sem ter que se preocupar com a “beleza” da coisa.
Confesso que fiquei preocupado!!!
Onde foi que eu errei?
Em verdade, quando um aluno não entende alguma coisa, ou não consegue aprender algo, a culpa não é dele e sim do professor que não possui didática suficiente para fazer com que o conhecimento penetre naquele que possui dificuldade de aprendizado.
Quando um aluno acredita que á prática dos kata’s não está relacionado à luta, mas sim á uma performance artística. Uma espécie de dança. Uma dança esquisita…
O professor deve imediatamente parar e tentar repensar sua metodologia.
Vamos imaginar a cena:
Todos os alunos exaustos, depois de dar o máximo de si durante uma hora de treino. Aí o professor chega e fala:
Ok!  Agora para relaxar vamos treinar uma nova coreografia – it’s kata time!!!.
kata, por mais bonito que seja sua execução, não é uma atividade lúdica. Muito pelo contrário:
O kata é um sistema desenvolvido para ensinar defesa pessoal. Um sistema testado durante muito tempo e por muitos mestres.
Em meu magistério, costumo inicialmente fazer com que os alunos memorizem de forma indelével todos os passos de cada kata, somente depois é que eu começo a ensinar sua aplicação.
Creio realmente que sem transformar os movimentos numa segunda natureza dificilmente sua aplicação se transformará numa reação imediata.
Assim, somente na faixa vermelha o aluno começará a praticar os bunkai’s do heian shodan, um laranja do heian nidan e por aí vai.
Agora, conviva com a pressa atual das pessoas...
Todo mundo quer tudo para ontem, ninguém quer treinar por 15 anos, 5 vezes por semana para poder chegar a uma faixa preta sem envergonhar o Karate nem seu professor.
Mas afinal porque inventaram os kata’s?
Vamos pensar juntos:
O que se faz quando é necessário passar diversos ensinamentos a um número relativamente grande de pessoas?
Se formos observar as escolas, veremos que a solução encontrada foi á categorização e encadeamento lógico do conteúdo das matérias, de modo que fosse possível para os alunos internalizarem o conteúdo.
Com o kata é a mesma coisa. Cada kata é na realidade um conjunto de técnicas ‘amarradas’ de forma ‘quase’ lógica para que sejam compreendidas pelos praticantes.
E, ao contrário do que muitos pensam, kata não é exclusivo do Karate. Ele existe no Judo, no Ju-Jutsu, no Taekwondo, e até no Muay Thai.
Ao treinar Kata é importante saber e perceber a necessidade de se preocupar com sua função e não com a sua forma. Deve ter em mente que se o dedo mindinho do pé esquerdo estiver 0,5 milimetros para fora, isso não vai fazer muita diferença na hora do ‘vamos ver’.
As perguntas que se devem fazer ao aprender um kata são:
1-    O que este movimento significa? 
2-   Qual é a finalidade desta técnica? 
3-   Como ela é utilizada contra um adversário?
4-   Essa técnica serve apenas para defender um ataque oriundo do Karate, ou serve para outros ataques?
5-   Qual a sua aplicação prática?
6-   Existem outras aplicações?
Esqueça a beleza plástica da sua execução.
Pense no Kata como um conjunto de defesas, ataques, desequilíbrios, quedas, chaves em articulações etc. cuja utilização tem que funcionar em situações reais de combate! É obvio que uma técnica apurada, demonstrada de forma irrepreensível é bonita de se ver.
É justamente aí que mora o perigo!!!
A beleza pode acabar matando a marcialidade.
A diferença está na abordagem.
A maioria dos professores nunca aprendeu kata de uma forma coerente, estruturada e com esse entendimento.
Querem saber porquê?
Simples, nossos professores japoneses não sabiam ou não queriam que aprendêssemos karate e ficássemos melhores que eles.
As consequências foram devastadoras:
A maioria não gosta de kata devido à sua natureza puramente abstrata.
Por não ter aprendido corretamente, quase todos os professores passaram a alterar vários movimentos, na tentativa de fazer com que eles façam mais sentido. Alguns chegaram ate mesmo a criar novos kata’s, como se já não fossem bastante os vinte e seis do Shotokan.
Aliás, agora é moda, os mestres para se perpetuarem historicamente, inventam alguns kata’s ou trazem do fundo do empoeirado baú, antigos kata’s que ninguém mais se lembra, kata’s que foram modificados ou reunidos em um outro.
Com a diminuição do tempo de aula e o predomínio das competições, os poucos professores que dominavam as aplicações pararam de ensinar. Seja porque bunkai não marca pontos em campeonatos ou porque demanda muito tempo de aula para aprender.
Assim, a maioria dos alunos que ‘amam’ kata são aqueles que não querem se machucar, que tem medo do kumite, que acreditam (corretamente) que estão fazendo uma excelente atividade física, que preferem acreditar que estão praticando uma dança de guerra etc.
Acham que eu estou exagerando?
Vá assistir a uma aula de karate num dojo qualquer ou compareça em um campeonato. Você verá faixas vermelhas praticando Niju Shiho ou laranjas demonstrando Sochin.
Se você tiver olhos para ver e eles não estiverem embaçados pelos véus da hipocrisia perceberá claramente que os kata’s praticados se resumem a uma mera ginástica calistenica. Um monte de movimentos encadeados como uma coreografia de dança, objetivando o alto rendimento artístico com a intenção de impressionar os juízes e público em geral, não possuindo nenhuma aplicação real e prática. Praticamente um balé marcial.
Ok! Vamos aos fatos históricos.
O Karate foi originalmente concebido para ser usado como auto defesa contra um ou mais adversários, preferencialmente destreinados, provavelmente destros, desarmados e agressivos.
Ora! Em sendo o Kata um modelo mnemônico (aprender um veículo para a retenção e transmissão de informações) transmitida pelos mestres, com a finalidade principal de defesa pessoal, o kata deve, por pura lógica, basear-se em princípios que regem a uma auto defesa bem sucedida com técnicas eficazes de simples execução, fáceis de praticar e memorizar.
A ideia original da prática dos kata’s era a de sobreviver ileso á uma agressão. Apesar de ser de conhecimento público que a natureza inerentemente imprevisível de um ataque não possa garantir quaisquer resultados positivos, todo esforço no sentido de minimizar o resultado e aumentar as chances de sobrevivência deve ser perseguido.
Muito bem, agora que já entendemos a finalidade de sua concepção, vamos analisar, destrinchar, esmiuçar sua performance e seus desdobramentos.
A palavra Bunkai é formada por dois ideogramas:
Bun – parte, segmento
Kai – entender, compreender
Assim, literalmente falando o termo bunkai (antigamente se escrevia bunkwai) significa “entender, decompor e analisar as partes”.
Após memorizar perfeitamente um kata, deve o praticante entender que um kata possui várias compreensões, formas de estuda-lo e suas aplicações.
Bunseki. É o ato de analisar o kata como um todo coerente. Perceber suas sequências em separado, treinar suas variantes aplicações, compreender a finalidade de sua existência.
Oyo, trata-se de subdividir as várias sequências pertencentes ao kata e aplica-las sob uma ótica mais aprofundada, buscando sempre o real e não o imaginário. Lembre-se que na vida não tem juiz para dar nota, nem plateia para agradar.
Tendo o Bunseki como método de observação, deve-se entender porque as bases são diferentes, que não tem lógica efetuar duas defesas e depois virar de costas, que após uma ou mais defesas, obrigatoriamente tem que existir um contra-golpe (seja ele qual for).
No treino Bunseki deve-se tentar entender a premissa de que se a base utilizada fosse outra, outro seria o resultado. De igual maneira podemos nos referir aos ataques, não esquecendo de que existem kata’s que visam o equilíbrio, outros a fundamentação básica, outros a mudança rápida de posição e por aí vai.
Assim, escolhendo o kata que vá servir de estudo, tente perceber para qual finalidade ele foi concebido.
Resumindo – Estudar o kata sob vários ângulos e premissas chama-se Bunseki.
Já no Oyo, deve-se saber a diferença entre Ura e Omote.
Ura e Omote - Este é um conceito tipicamente japonês - a dualidade. Omote significa "Aquilo que se vê", aquilo que está visível, o que se percebe a primeira vista, sem uma atenção mais apurada.
Ura é algo que não se percebe, que está escondido, uma parte da casa que não recebe luz e se encontra escondida das pessoas.
Usando a casa como referência, a fachada é "omote", enquanto o interior é "ura". Da mesma forma o corpo de uma pessoa tem um lado "omote" (frente) e um lado "ura" (costas). 
Uma coisa é o que uma pessoa diz (Omote) Outra é o que ele realmente está pensando (Ura).
Omote também pode ser entendido como ‘o que você vê é o que você obtém’, ou seja, se isso se parece com um pato, nada como um pato e grasna como um pato - é provavelmente um pato. Assim, Cada técnica é tomada pelo valor daquilo que de cara se vê.
É semelhante ao princípio científico da Navalha de Occam (*)
Quando se é atacado, pode-se efetuar uma defesa forte e depois contra-atacar, ou pode-se "bater junto” (deai), isto é Omote, ou seja, é uma maneira de lutar de frente. Enquanto que uma outra forma seria "sair" em tai sabaki (esquiva) e atacar o oponente pelo lado ou pelas costas, isso é considerado Ura.
Os japoneses quando começaram a ensinar no ocidente, preocupados com o futuro de sua arte marcial, ensinavam apenas Omote - aquilo que é percebido, demonstrando desavergonhadamente técnicas sem nenhuma aplicação prática.
Vai no youtoube e veja as demonstrações antigas dos bunkai.
Não precisa ir muito longe, analise friamente o primeiro kata - Heian Sho Dan e, diga do fundo do coração, se as defesas e ataques que nos foram ensinados possuem o menor sentido ou lógica...
Agora, quem já teve a oportunidade de assistir os japoneses treinando sem a presença de ocidentais, saberá exatamente do que estou falando.
(*) [A Navalha de Occam é um princípio lógico atribuído ao frade franciscano inglês Guilherme de Ockham - sec XIV. O princípio afirma que a explicação para qualquer fenómeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias à explicação do mesmo e eliminar todas as que não causariam qualquer diferença aparente nas predições da hipótese ou teoria. O princípio é frequentemente designado pela expressão ‘Lei da Parcimónia’ enunciada como: ‘as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade’. O princípio recomenda, assim, que se escolha a teoria explicativa que implique o menor número de premissas assumidas e o menor número de entidades. A Navalha de Occam é um princípio metodológico, e não uma lei que diz o que é verdade e o que não é. Ou seja, ela não sugere que as explicações mais simples são sempre as verdadeiras e que as mais complexas devem ser refutadas em qualquer situação.]
Olhe o mesmo kata em outros estilos – existe mais alguma coisa em comum, além do nome? 
Por exemplo. Vejamos uma curiosidade. O mesmo kata no Shito Ryu, no Goju-ryu, no Uechi-ryu, no Isshin-ryu etc, chama-se Seisan. 
No Shotokan passou a se chamar Hangetsu porque Funakoshi ‘ajaponesou’ os nomes. Na china tem o nome de Shí sān shǒu . 
Esse kata é uma compilação de treze técnicas, a forma seria oriunda do estilo da garça Branca (kung fu). No Shotokan considera-se que este kata diverge em sua formatação (com sua execução moderada e controle da respiração) dos outros do estilo. A explicação é que Funakoshi treinou com o mestre Seisho Aragaki, um mestre dos estilos Naha Te e Goju Ryu onde esse kata é bem praticado.
O Hangetsu compila oito movimentos defensivos e cinco ofensivos, as sequências possuem bastante contraste, com o objetivo da adaptabilidade do lutador na transições entre os movimentos rápidos e lentos.
Agora, o que você pode aprender com a referência cruzada das várias maneiras de apresentar o mesmo kata?
Pense fora da caixa.
Uma outra concepção chama-se Honto bunkai. Em japonês, honto significa literalmente ‘real’ ou ‘realidade’, entretanto ao observarmos alguém efetuando um kata percebe-se que em cada 200 praticantes um espelha essa ‘realidade’ o restante quer apenas ‘fazer bonito’.
Nas palavras de Donn F. Draeger (autor de dezenas de livros sobre artes marciais) "Treinar Kata apenas como demonstração, é fazer dele um uso superficial e limitado"
Espero que tenha conseguido sanar as dúvidas existentes.
Oss!

Um comentário:

  1. Com certeza, não só sanou dúvidas, mas, como sempre, agregou conhecimento Sensei.
    Espero que a aluna tenha a felicidade de lêlo.
    Oss

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