sábado, 10 de setembro de 2016



Atendendo a pedido de Igor Lavrador – faixa Preta 2º dan da Escola Taigen Karate, vamos tentar exaurir e esmiuçar o termos Ikken Hisatsu e emitir algumas considerações.
By Getulio Taigen

Antes de mais nada é importante que eu esclareça que estas são opiniões pessoais e não representam sob nenhuma égide o pensamento federativo ou da maioria dos professores.
Ikken Hissatsu – Trata-se de um termo conhecido na prática do Karate marcial. Tem como objetivo definir a total eficiência da técnica. Significa “Matar com um só golpe” ou “um golpe – uma morte”.
Esse termo Hikken Hisatsu é derivado do Kenjutsu, onde a expressão referia-se a um ataque único e mortal de espada.
O que não quer dizer que todo e qualquer ataque para ser considerado bem sucedido deva resultar em morte... O que deve prevalecer é a ideia de que qualquer embate deva e seja resolvido com um golpe apenas.
Neste momento, é importante que não nos esqueçamos de que numa ocasião de “luta” a carga de epinefrina no sangue é muito maior do que a normal, acarretando uma falsa percepção da realidade, de modo que ferimentos sofridos sejam sentidos somente depois.
Portanto, um ataque que seja desferido apenas para nocautear, pode não alterar a violência do agressor.
Muuuuuuuito bem! Como dizia meu falecido professor Teruo Furusho.
Entretanto, o que capacita um golpe como suficiente para definir uma agressão é uma soma de fatores físicos e mentais.
A ideia de que você deve ser capaz de matar alguém com um golpe parece um pouco cinematográfica...Mais importante que perdermos tempo com considerações sociais é entendermos que NÃO é tão fácil assim alcançar esse objetivo.
Nas palavras de Bruce Lee.
“Esquece a vitória ou a derrota, esquece o orgulho e a dor, deixa teu adversário arranhar tua pele e esmaga a carne dele, deixa-o esmagar tua carne e lhe quebre os ossos, deixa-o quebrar teus ossos e tome-lhe a vida. Não te preocupes em sair ileso. Deixa tua vida diante dele”.
Para conseguir essa eficiência é necessário que o golpe desferido seja único e completo física e mentalmente.
Olhando a primeira vista esse conceito parece bastante cruel, mas se você não tiver esse princípio em mente, seu golpe será fraco, sem finalidade e sem resultado final.
Não se esqueçam de que estamos falando de karate marcial e não de caratê esportivo, onde seu ataque não precisa de contundência, eficiência e eficácia.
Agora se você tem como objetivo ser um competidor em razão das próximas olímpiadas onde o Carate finalmente está inserido, esqueça essa prática. Aliás, pare de ler agora esse estudo. Melhor dizendo, se pretende se preparar para o grande certame mundial, inicie a se preparar com o livrinho de regras debaixo do braço.
Nesse momento, não poderia deixar de dizer que você não pode, nem deve esperar que o Carate esportivo possa lhe propiciar as condições mínimas de defesa pessoal.
Uma certa vez, quando perguntado por uma definição do Karate o mestre de Shoshin Nagamine citou a frase “Kisshu Fushin – Mão do demônio, coração santo”.
Ok!
Agora é que a dificuldade começa - para que você possa adquirir esse conceito é necessário que entenda e pratique segundo alguns critérios e princípios.
O primeiro deles chama-se Kime.
Kime ou “decisão extrema”, forma substantiva do verbo kimeru (decidir, fixar). Em inglês, tem o sentido de ‘resolução’. No Judo, o golpe Kime-no-kata é traduzido como golpe de decisão.
Segundo a definição clássica, uma técnica com Kime, quer seja um ataque ou uma defesa é a que reúne condições como postura correta, decisão e concentração no ponto de impacto com toda a força física e anímica, numa fração mínima de tempo.
Nos livros de Karate lê-se que no instante do Kime, devem-se contrair todos os músculos do corpo.
Nas palavras de Geesink, o primeiro ocidental a derrotar um campeão japonês de Judô: “Os japoneses atualmente têm se dedicado apenas ao estudo do Judô competitivo. Realmente, é extraordinária a quantidade de atletas de alto nível e equipes vitoriosas. Eu, por outro lado, nunca treinei para competição em minha vida. Tudo o que tenho feito é treinar Judô como uma filosofia de vida, exatamente como ensinado pelo Dr. Jigoro Kano. Enquanto os Japoneses planejavam estratégias competitivas, eu treinava os fundamentos. Eu venci porque não treinei Judô para ganhar”.
Usar o kime numa luta refere-se à capacidade de atacar ou defender, sem hesitação e, mais importante, terminar o ataque ou defesa, com determinação e convicção.
Entretanto, para o desenvolvimento e utilização do Kime é necessário o uso de duas valências físicas:
A primeira valência é a forma (técnica propriamente dita) e a segunda é a força física (explosão muscular). Ambas envolvem duas características:
1- Perfeição formal de um gesto e o do grau de força elevada até o seu limite máximo.
2- A velocidade e a força explosiva que devem se aliar a técnica correta. Ou como diria o Professor Yoshizo Machida “zero máximo zero”.
Vamos agora vamos analisar esse conceito á luz da lógica, da ciência e da prática. Só que para podermos nos aprofundar nessa questão precisamos entender um outro conceito – ‘Sun Dome’.
A primeira vez que o conceito ‘Sun Dome’ veio à tona foi com Masotoshi Nakayama, conforme pode ser observado em seu livro 'O melhor do Karate':
“Sun-dome significa interromper a técnica imediatamente antes de se estabelecer o contato com o alvo, mas excluir o kime de uma técnica não é o verdadeiro karate”.
Tá bom! Mas como conciliar a contradição entre ‘kime’ e ‘Sun Dome’, sendo que ‘Kime’ é atacar e defender sem hesitação e com o máximo de potência e ‘Sun Dome’ é interromper esse ataque antes de chegar ao oponente...
O próprio Nakayama tenta responder essa embaraçosa pergunta, e sua resposta só confirma o paradoxo da questão!
Nakayama, um verdadeiro visionário, entendeu claramente que somente através dos campeonatos esportivos o Karate passaria a ser conhecido mundialmente. Mas para que pudesse cair ao gosto do público, deveria haver uma maneira de fazer com que os oponentes não se ferissem e pudessem comemorar num restaurante sua vitória ou lamentar sua derrota com sua integridade física preservada. Assim, desenvolveu o princípio do Sun Dome.
Teoria maravilhosa: Parar o golpe três milímetros antes de atingir o alvo, simplesmente perfeito para um esporte. O golpe é demonstrado sem lesões...Mas!!!! Foge aos princípios basilares nos quais foi fundamentado o Karate, isso sem falar que não funciona num combate real.
Vamos tentar entender melhor o que significa a palavra e o significado de Sun Dome. Sua tradução significa literalmente "Parar à medida". Algo como "Parar numa distância segura" ou "Parar precisamente antes do impacto". Onde:
(sun) – medida e, (dome) - parar.
Mas o que isso significa na realidade?
Estamos bastante acostumados a ver a aplicação de tal conceito em competições onde o maior ou menor grau de precisão do competidor é o exemplo vivo do Sun Dome.
Hum!!! E numa situação de combate real, me perguntariam os senhores? Numa situação real quem se importa em “chegar pertinho", “travar o ataque antes de acertar o alvo”, queremos mesmo é acabar com a agressão. Tirar de ação com o mínimo de movimentos, o mais rapidamente possível e com o máximo de contundência aquele que nos ataca, até porque o Karate tem nessa atitude sua fundação.
Mas, mesmo num combate real, temos de ser capazes de possuir precisão suficiente para executar a técnica corretamente e não "atacar às cegas“, isso sem falar que os movimentos não podem se dar ao luxo de possuirem erros.
A capacidade de conseguir treinar e aplicar efetivamente o sun dome e o kime em todos os movimentos é o resultado de um treino competente, forte e a marca de uma boa escola de Karate.
É necessário o Sun Dome, senão em todas as aulas teríamos alunos seriamente machucados.
É necessário o Kime senão as técnicas carecem de realidade.
O difícil é conciliar os dois e ainda conseguir manter um excelente padrão de qualidade em se tratando de defesa pessoal.
Sempre se pode treinar o impacto dos golpes em aparadores, makiwara (poste de pancadas), sunatawara (saco de areia) etc. Mas como é a mente que perfaz o mundo de cada um e ela se condiciona facilmente, se assim treinarmos, ela entenderá que é para bater forte somente em equipamentos e não funcionaria numa defesa pessoal.
Pronto, lá se foi o Ikken Hisatsu para o vinagre!!!!
Voltamos ao ponto de partida com as mesmas perguntas não respondidas...
Como praticar o Karate tendo como sua essência mais básica o hikken hisatsu, se não podemos aplicá-lo na sua realidade.
Como treinar de forma realística o kime se não podemos fazê-lo com nossos colegas de treino, correndo o risco de sérios acidentes de percurso.
Qualquer dispositivo de ajuda que tentarmos utilizar para minimizar essa dicotomia esbarra obrigatoriamente no tradicionalismo dos mestres de plantão, que apesar de defensores do moderno Caratê esportivo, advogam para si, a alcunha de tradicionalistas...
Ao longo de quase 40 anos como professor tenho tentado por meio de erros e tentativas achar a resposta a essa pergunta, já que na literatura pouco se encontra. Ainda estou procurando e tentando achar a resposta mais razoável e o treino mais acertado.
Agora que já compreendemos claramente esses conceitos, vamos tentar mergulhar neles através da ciência.
Isaac Newton, cientista inglês, foi um cientista dos mais respeitados, publicou em 1687, uma importante obra chamada “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica”. Nesta obra foram enunciadas aquelas que mais tarde viriam a ser conhecidas como as três Leis de Newton.
Importante pesquisador, Newton descobriu que a luz branca é a mistura de todas as cores do arco-íris. Também estudou a refração e a reflexão da luz. Desenvolveu o teorema binomial. Desenvolveu o cálculo integral. Formulou a Lei de Gravitação Universal. Foi o primeiro a demonstrar que os movimentos de objetos, tanto na Terra como em outros corpos celestes, são governados pelo mesmo conjunto de leis naturais. No campo da mecânica, formulou suas famosas leis, conhecidas como a Primeira, a Segunda e a Terceira Lei de Newton, que veremos.
Primeira lei de Newton:Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele.
Conhecida como princípio da inércia, essa lei declara que: Se a força resultante é nula, logo a velocidade do objeto é constante. Consequentemente: Um objeto que está em repouso ficará em repouso a não ser que uma força resultante aja sobre ele. Um objeto que está em movimento não mudará a sua velocidade a não ser que uma força resultante aja sobre ele.
Inércia é a resistência que um corpo oferece à alteração do seu estado de repouso ou de movimento. Quanto maior for á massa do corpo, maior a sua inércia, ou seja, maior a resistência que este oferece à alteração do seu estado.
Ex: Uma pessoa que se encontre dentro de um ônibus em movimento continuará em movimento para frente, quando o ônibus parar, se não estiver se segurando, pois a resultante das forças sobre ela é nula e ela tende a manter o seu estado de movimento.
Mais alguns exemplos da 1ª lei:
Uma flecha é atirada. A corda do arco impulsiona a flecha e em certo ponto ela para. Entretanto a flecha continua seu caminho até acertar o alvo. Um jogador saca uma bola de vôlei e erra o saque. Acidentalmente a bola acerta a cabeça de um torcedor e todos observam que, conforme a bola bate na parte de trás da cabeça, a cabeça é projetada a frente e seu cabelo vai para trás (movimento de chicote).
Um praticante de Karate desfere um soco, esse soco após acertar o alvo, para ou diminui sua intensidade, mas a energia despendida pela força muscular e velocidade continua atuando e, produzindo efeitos...
O Karateca recebe um soco e, como a ideia nunca é a de impedir o movimento, mas sim o de desvia-lo, ele imprime uma técnica que resultará no deslocamento do ataque. Note que Karate se coaduna com essa lei, ao desviar e não tentar parar o movimento. Baseando-se nessa lei, para sair da inércia, devemos “explodir” os movimentos com a maior força e velocidade possível e permitir que esse movimento vá até o fim.
2ª lei de Newton: A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é imprimida. Conhecida como Lei da Dinâmica, de acordo com esta lei, sempre que se aplica uma força num corpo, esta provoca no corpo uma mudança de velocidade - uma aceleração.
Pode-se concluir então, que toda vez em que sobre um corpo atuar uma resultante de forças não nula, este corpo ficará sujeito à ação de uma aceleração. Esta aceleração será maior quando um corpo tiver uma massa menor e, menor se o corpo possuir uma massa maior.
EX: Se o carrinho do supermercado estiver vazio, é muito fácil fazê-lo correr. Mas se o carrinho estiver cheio, você tem que se esforçar muito para fazê-lo andar. Se tentarmos empurrar um sujeito de 120 kls e outro de 60 kls usando a mesma força os resultado serão diferentes.
Um soco de um peso leve é muito mais rápido do que um peso pesado, pois um peso pesado tem que fazer muito mais força para sair da inércia do que um peso pena. Naturalmente, que se treinado na valência física correta o peso pesado poderá vir a apresentar um soco com quase a mesma velocidade, porém com uma maior contundência
Uma massa que ao ser aplicada a uma força for acelerada a certa velocidade produzirá energia. Sabemos que é possível transformar uma energia em outra, porém, é impossível extinguir essa energia.
Segundo o princípio da Conservação da Energia, ela não pode ser criada ou destruída, somente passa de um estado a outro.
A energia não pode ser destruída, mas pode ser desperdiçada, se aplicarmos movimentos errados ou forçarmos essa energia na direção incorreta.
No caso de recebermos um ataque, usando esse princípio, não devemos tentar pará-lo e sim desloca-lo para outra direção. Da mesma maneira, quando alguém recebe um soco, a energia advinda do atacante, passa através do seu corpo para o daquele que recebeu o ataque.
Isso sem entrarmos no mérito da Lei de Hooke, que sustenta que não existe nenhuma matéria completamente rígida. Todas as matérias sofrem deformações diretamente proporcionais à ação das forças que a geraram, podendo persistir mesmo após a retirada das forças que a originaram.
Para simplificar podemos dizer que os movimentos do karate se baseiam em uma força produzida através dos músculos sustentados pelos ossos e tendões do corpo criando energia mecânica cinética e potencial que ao se chocar com o alvo em um impacto direto é igual à massa muscular vezes a distância percorrida durante o impacto mais a velocidade empregada.
Traduzindo: Para que um movimento possa ser forte o suficiente é necessário possuir: 1- Força muscular, 2- Explosão muscular, 3- Técnica apurada, 4- Postura correta, 5- Olhar direcionado, 6- Mente não condicionada e 7- Espírito inabalável.
No momento em que desferimos um soco, temos vários tipos de energia em ação:
a- Deslocamento do corpo (23,7%),
b- Rotação do quadril (25,2%),
c- Rotação do punho – princípio da bala de revolver (3,3%),
d- Flexão dos joelhos (10,2%),
e- Deslocamento do braço até o alvo (25,1%),
f- Expiração forte (12,5%).
Imediatamente nos fazemos a seguinte pergunta: Quem produz um soco mais potente? Um lutador de 100 kg ou um de 75 kg?
Resposta: Depende da velocidade e da força explosiva. Se o lutador de 75 kg aumentar sua velocidade em 15% utilizando todas as energias acima demonstradas, ele e o lutador de 100 kg terão a mesma força de impacto.
Conclusão: A velocidade é 60 % mais importante do que o peso. Naturalmente que não é só isso que decide uma luta, mas vocês entenderam não é?
Isso sem falar no que acontece se acertarmos o oponente no meio do caminho, a força do seu próprio corpo vai ser usada contra ele no momento do impacto do nosso soco, o que aumenta exponencialmente a energia de contato. A melhor forma de aumentar a força do golpe é enquanto ele se movimenta na sua direção.
Ao efetuarmos um ataque, devemos visar não o oponente, mas uns 20 cm depois dele, isto é para assegurar que a mão não desacelerará antes do contato com o alvo.
A velocidade máxima do ataque é atingida quando o foco do ataque está além da superfície alvo.
O que importa não é tanto o peso corpóreo do karateka, mas sim quanta massa muscular de explosão rápida está envolvida no ataque e o quanto ele consegue gerar de energia - vide Michael Phelps, medalhista olímpico com apenas 88 kls.
É, portanto crucial não usar o braço sozinho no ataque e esperar por uma força e energia suficiente para derrubar o oponente.
O corpo inteiro deve ser usado.
Isto explica porque boxeadores raramente são nocauteados por jabs, pois somente a força do braço contribui com o soco, mas são frequentemente nocauteados por ganchos, cruzados ou diretos, quando a massa do corpo inteiro é utilizada junto com o soco.
Com a entrada oficial nas olimpíadas de 2020 no Japão, o Carate passará a ter uma visibilidade sempre desejada mas nunca alcançada, creio realmente na possibilidade de união das federações, escolas e organizações, todas rumando numa só direção.
Ao seguir nesse rumo que no meu entender não possui retorno, os karatecosauros anacrônicos e ultrapassados começarão a desaparecer lenta porém sistematicamente e o Karate Marcial se transformará em Carate Esportivo.
Não possuo bola de cristal para saber se no futuro será bom ou ruim, apenas não consigo, não tenho a intenção, nem competência para alterar a forma como ensino e pratico. Aqueles que não desejarem um karate old school que caminhem resolutamente para o moderno.
Simples assim.

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