sábado, 10 de setembro de 2016


BODHIDHARMA.
Fala-se muito nesse patriarca. Muitos dojos possuem uma imagem dele no butsudan. O reconhecem como o mestre que trouxe as artes marciais da Índia para a China.
Mas afinal qual é a história desse grande homem.
O Bodisatva Avalokitesvara Bodhidharma, conhecido na China pelo nome de Ta Mo, por Daruma Taishi ou Bodai Daruma no Japão.
Nascido em 460 dC., terceiro filho do grande Rei Brahamam das terras ocidentais da Índia, certamente é a figura mais controvertida e comentada das artes marciais do oriente.
Sua influência no cenário das artes marciais da China, Coréia e Japão é indiscutível.
Convém lembrar que a Índia possui uma divisão por castas que tem sobrevivido desde tempos muito antigos até a atualidade, deste modo, Bodhidharma, filho do Rei Sudanda pertencia á casta guerreira dos Kshastryas, mesma casta do Budha.
Desejando preparar seu filho para que pudesse reinar com coragem e sabedoria, o Rei contratou o mais famoso professor de artes márciais da Índia para instrui-lo pessoalmente.
Esse guerreiro famoso pôr seus feitos militares e por sua excelente técnica de luta se chamava Prajnatara e, logo ao iniciar o treinamento percebeu que Bodhidharma seria um grande lutador, não somente pela facilidade com que aprendia os movimentos, mas também, a grande dedicação e concentração demonstrada durante os longos períodos de ensino.
Com o decorrer dos anos surgiu uma grande amizade entre o mestre e o discípulo, e mesmo quando tempos depois o mestre Prajnatara se converteu ao budismo, Bodhidharma continuou como seu aluno até sua morte em 520 dC.
Prajnatara, em razão de sua competência como guerreiro, e face a grande disciplina adquirida pelos anos longos de treino, conseguiu atingir uma grande realização espiritual.
Após a constatação dessa libertação da mente por parte de seu professor Punyamitra, que era o 26º patriarca do budismo indiano, recebeu a incumbência de continuar a propagação da doutrina de Budha.
Nesta época a Índia encontrava-se perdida em especulações metafísicas e dogmáticas acerca da doutrina budista, afastando-se dos princípios originais ensinados por Budha.
Prajnatara percebendo a necessidade de reconduzir a filosofia budista à sua naturalidade e simplicidade inicial, e, notando em Bodhidharma a firmeza de caráter necessária ao desempenho da tarefa, passou a lhe ensinar o budismo junto com as artes marciais.
Bodhidharma como era de seu feitio, entregou-se de corpo e alma ao estudo dos novos ensinamentos que eram transmitidos por Prajnatara.
Após muitos e muitos anos de treinamentos físicos diários, alternados, com o estudo e prática do budismo, Bodhidharma começou a perceber que o domínio mental era muito mais importante que a força física e a técnica marcial e que, embora o treinamento físico fosse mais gratificante, seu conhecimento não tinha o mesmo valor que o treinamento mental.
À medida que evoluía na prática budista, ia superando cada vez mais as manifestações de egoísmo, avareza, cobiça, apego etc. Passando a compreender que o homem deve executar suas tarefas do dia a dia visando a humanidade e o bem comum, de modo a favorecer não somente aos seres humanos, mas também todas as criaturas vivas.
Atingindo essa compreensão, Bodhidharma entendeu que o combate marcial propriamente dito perdia todo seu valor e significado em termos de ganho ou perda, mérito pessoal ou vitórias alcançadas, para transformar-se em um caminho de auto-conhecimento que justificava sua aplicação técnica apenas em ocasiões de defesa sua ou de outros.
Lutar sim, mas não para vencer ou para provar sua competência ou superioridade sobre outros seres. Lutar apenas para preservar a justiça e a harmonia que dão vida aos seres e asseguram o equilíbrio universal.
Com a morte de seu mestre, Bodhidharma assumiu o cargo de 28º Patriarca do Budismo indiano e passou a dar cumprimento as determinações de seu mestre - reconduzir o budismo à sua essência original.
Neste período o budismo estava sendo muito aceito na China, como pode-se perceber pelos números (no fim do Séc. V, haviam aproximadamente 2 mil templos budistas e 36 mil monges no sul. Ao norte, um recenseamento em 477 contou 6,5 mil templos e aproximadamente 80 mil monges. Menos de 50 anos mais tarde, outro recenseamento feito ao norte aumentou esses números para 30 mil templos e 2 milhões de monges, ou cerca de 5% da população. Sem dúvida, isso incluía muitas pessoas que estavam tentando evitar impostos ou recrutamento ou que procuravam a proteção da igreja por outras razões não religiosas, mas claramente o budismo estava espalhando-se pelas pessoas comuns ao norte do Rio Yangtze. No sul, permaneceu confinado à elite educada até o Séc. VI.) e a convite do Imperador Liang Wu Ti, Bodhidharma viajou a China para dar prosseguimento a sua missão.
Os fatos que dizem respeito da convivência de Bodhidharam com esse Imperador pouco se sabe, mas houve uma entrevista entre os dois que acabou ficando famosa – outra hora eu conto essa história.
Após o confronto com o Rei, Bodhidharma dirigiu-se para o reinado de Wei, sendo acolhido pelos monges budistas do Mosteiro ShaoLin (Jovem floresta, situada na montanha de Hao Shan, vila de Sung Chan, província de Honan) que o hospedaram por muitos anos.
Conta-se que enquanto estava hospedado nesse mosteiro Bodhidharma meditou diante de uma parede durante nove anos (note que a linhagem Soto Zen, até hoje pratica a meditação formal em frente a uma parede).
Ainda hoje existe no templo Shaolin, na face norte uma sala, onde se pode ler em chinês arcaico: “Este é o local onde Ta-mo (Bodhidharma) olhou a parede”.
Bodhidharma enquanto meditava em frente à parede, foi conduzido a estados de consciência cada vez mais sutis, chegando á conclusão que de todas as práticas budista a mais importante era a meditação, efetuada da maneira formal (sentado de pernas cruzadas).
Embora compreendesse a importância das quatro nobres verdades que constituem o sustentáculo budista, Bodhidharma percebeu que sem a prática sistemática da meditação, a doutrina perdia seu sentido filosófico e a prática das artes marciais se transformava em apenas mais uma forma de agressão e violência.
A essa nova concepção do budismo, Bodhidharma denominou dhyanna, que em sânscrito quer dizer meditação. Entretanto, para os chineses a pronúncia do sânscrito era muito difícil e acabou sofrendo modificações fonéticas que mudaram sua pronúncia para c’hanna e finalmente para c’han (No Japão recebeu o nome de zen e na coréia o nome de sun).
Quando Bodhidharma chegou á China e se hospedou no Mosteiro Shaolin, percebeu que dada á severidade das meditações que ele obrigava os monges a executarem, os mesmos devida a sua péssima condição física, não resistiam e desmaiavam durante a prática, deste modo, constatando o estado físico precário dos monges, Bodhidharma começou a lhes ensinar a arte marcial aprendida com seu mestre Prajnatara, para fortalece-los e capacita-los a suportar com mais eficiência o exercício da meditação.
Durante muito tempo, alternaram-se no treinamento físico e mental de modo que ano após ano eles ficavam cada vez mais fortes, saudáveis e respeitados, pois uma arte ajudava a outra a se desenvolver, assim como os defendia e ao mosteiro dos eventuais ataques e invasões de ladrões e salteadores.
Contam os historiadores que para Bodhidharma tanto a prática budista como das artes marciais tinham igual valor diante dos objetivos de auto-conhecimento e desenvolvimento da sabedoria .
Com o passar do tempo à prática das artes marciais como meio de desenvolvimento mental e espiritual, passou a substituir grande parte da meditação formal, nas atividades do monastério, fazendo o templo famoso, não como um templo budista, mas sim como uma escola de artes marciais.
A arte marcial ensinada no templo era mantida em segredo, sendo transmitida somente aos que já haviam recebido suas vestes monásticas e feito os votos mais elevados. A razão para este procedimento era o fato das técnicas serem perigosas, podendo ser uma grande vantagem nas mãos de pessoas menos esclarecidas ou mal intencionadas.
É interessante notar que já existiam técnicas de combate em épocas pré-arianas, quando a Índia ainda era habitada pelos Dravidas, embora a cultura draviniana tenha sido relegada ao esquecimento após a invasão dos arianos, as técnicas de combate permaneceram e foram preservadas como tradição dos nobres pelas castas de guerreiros (kshastryias).
Segundo os historiadores, mesmo depois de ter atingido a suprema iluminação e ter-se transformado em Bhuda, Sidharta Gautama Sakyamuni, ensinava artes marciais aos seus seguidores como prática ascética, porém não existem registros desse fato.
Com a invasão da China pelos Manchus, em que foi dizimada toda a dinastia Minh, fato esse que obrigou os oficiais do exército chinês a fugirem ou refugiarem-se nos templos budistas, por serem territórios apolíticos e independentes, assim como pela excelência de suas localizações e exageradas dimensões.
Esses refugiados acabaram sendo treinados pelos monges para que pudesse tentar resistir á invasão.
Entretanto, a verdadeira arte marcial que era utilizada apenas como defesa e recurso de meditação e ao desenvolvimento espiritual (nessa etapa da historia a luta já tinha um nome - C’han Tao Chuan – a arte dos punhos do caminho da meditação) era somente ensinada aos monges já ordenados.
Ao longo dos anos de guerra, todos os templos foram lentamente sendo subjulgados, perante a superioridade numérica e beligerância dos invasores, até que todos os templos foram destruídos e seus monges mortos e decapitados, restando apenas o de Shaolin, que sofria longo cerco das tropas sem que sucumbisse, devido às suas enormes proporções e muros inexpugnáveis.
Entretanto, o templo também teve seu Judas. Despeitado por não ser autorizado a acessar as técnicas marciais e, motivado pela recompensa de um alto cargo público no novo governo, um monge de categoria inferior de nome Ma Ning Yee, envenenou a água do templo e o incendiou no dia 25 de julho de 1773 dC.
Do incêndio e envenenamento, somente sobreviveram poucos monges. Desses monges, o que se sabe é que alguns passaram a ensinar técnicas de luta ao exercito nacionalista, outros abriram escolas de artes marciais, alguns acabaram sendo perseguidos e mortos pelas tropas Manchus. Outro emigrou para o interior da China, abrindo uma escola e fundando um estilo de arte marcial, outro fugiu para a Coréia e, três foram acabar em Okinawa, onde acabaram se envolvendo com outra guerra, pois Okinawa era dominada por um senhor feudal (Senhor de Shimasu) que maltratava muito seus vassalos. Assim, unindo seus conhecimentos tanto de luta como da doutrina budista com os de uma outra arte de combate rudimentar chamada Okinawa te (as mãos de Okinawa) acabaram por força das circunstâncias ajudando a criar o Karate (Mãos chinesas).
Até hoje em quase todos os dojos tradicionais antes de se iniciar a aula, professores e alunos efetuam prostrações e cumprimentos em sinal de respeito e agradecimentos a imagem ou estátua de Bodhidharma, bem como em todos os mosteiros e templos da tradição zen encontra-se um oratório específico e efetua-se regularmente cerimônias para o grande Patriarca Bodhidharma.
O Zen de Bodhidharma influenciou tanto o japão e a china que praticamente todas as mais representativas manifestações da cultura japonesa e chinesa fundamentam-se no pensamento zen. Exemplo: A arte ikebana, o bonsai, a pintura sumi-e o teatro No, o teatro kabuki, o kyudo, o kempo, o judo, o karate etc.
Graças aos esforços do maior samurai da história do Japão Shimmem Musashi no kami Fujiwara no Genshin - Miyamoto Musashi (1584-1645), que fundamentado no zen desenvolveu o Bushido (código de honra dos samurais), até os dias atuais o Zen se encontra fundido com as artes marciais tradicionais de forma quase indivisível.
Jigoro Kano, criador do Judo, mantinha um monge Zen na sua escola (kodokan) para ensinar a seus discípulos o verdadeiro valor da disciplina mental nas artes marciais.
No livro autobiográfico de Gichin Funakoshi (o pai do Karate) o autor faz várias referências ao Zen.
Quem examinar os livros dos mestres de Karate Gogen Yamaguchi (goju ryu), Masutatsu Oyama (kyokushin oyama) e Kanazawa (shotokan) poderá ver várias fotos dos mesmos em meditação Zen.
Os nomes dos movimentos formais do Taekwondo, Hapkido e Hwaran-do são nomes de famosos monges Zen coreanos.
Essa é razão de Bodhidharma ser considerado o primeiro patriarca das artes marciais.
Mas, há quem diga que ele não existiu realmente. Com a palavra os historiadores.
Oss!
Getúlio Taigen

Nenhum comentário:

Postar um comentário